Em dezembro de 2007, quando o Senado rejeitou a prorrogação da CPMF, o governo alertava para um rombo de R$ 40 bilhões no orçamento do ano seguinte, com impactos desastrosos para a Saúde. Um ano depois, a Receita Federal apresentava a arrecadação recorde de R$ 675,3 bilhões, R$ 43 bilhões a mais do que no ano anterior. Ou seja, a CPMF acabou e a arrecadação continuou subindo, graças ao crescimento da economia e à elevação das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O orçamento da Saúde, por sua vez, caiu logo após a extinção do imposto – de R$ 57 bilhões, em 2007, para R$ 52 bilhões em 2008. Mas voltou a subir nos anos seguintes, até chegar a R$ 77,1 bilhões neste ano.
Agora, quando o Congresso retoma a discussão sobre a regulamentação da Emenda 29, que estabelece um piso para União, Estados e municípios investirem em Saúde, a defesa de um novo imposto ganha corpo.
Desta vez, a CPMF vem travestida com o nome de Contribuição Social para a Saúde (CSS), com uma alíquota de 0,10% sobre toda movimentação financeira. Por maior que seja o consenso de que o País precisa de mais dinheiro para a Saúde, a notícia é uma ameaça na veia do setor produtivo. Será que o Brasil, com carga tributária que equivale a mais de um terço do PIB, precisa de um novo imposto? Entre os empresários, a reação foi imediata. “A CPMF é um imposto de péssima qualidade, regressivo, em cascata e onera os mais pobres”, disse à DINHEIRO o empresário Horácio Lafer Piva, ex-presidente da Fiesp e conselheiro do grupo Klabin. “O governo tem de explicar primeiro à sociedade como é gasto o recurso que arrecada, quanto vai para obras inexplicáveis e quanto é perdido na burocracia”, reforça Robson Andrade, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Nos próximos dias, Andrade reunirá pesos-pesados como Frederico Curado, da Embraer, Luis Fernando Furlan, da BRFoods, e Piva, da Klabin, para um levante contra a proposta de recriação do imposto do cheque. Por ironia, o debate renasce num momento em que o governo negocia com o setor privado os detalhes das desonerações tributárias previstas no plano Brasil Maior, anunciado no início de agosto. Os setores de tecnologia, calçados, têxteis e móveis lograram o compromisso de ter a cobrança da contribuição previdenciária sobre o faturamento em vez da folha de pagamento. Embora não haja consenso sobre a alíquota que será cobrada, o Planalto já garantiu que a desoneração é um caminho sem volta, e que outros segmentos serão beneficiados, com o intuito de incentivar investimentos. O setor automotivo, por exemplo, deve ganhar uma nova redução no IPI, caso cumpra algumas contrapartidas, como repasse do preço menor ao consumidor, e aumente o investimento em inovação. O fato é que a presidente Dilma Rousseff sabe que o desgaste político de um novo imposto seria imediato e representaria um erro estratégico assumir essa fatura. Durante o 4º Congresso do PT, no primeiro fim de semana de setembro, Dilma defendeu o aumento dos gastos para a Saúde, mas não explicitou de onde viriam os recursos necessários. “Eu defendo, e a Saúde no Brasil exige – e não sou só eu, são os 40 milhões que nós tiramos da pobreza – recursos e gestão.” O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que tem previsto para 2012 um orçamento de R$ 85,8 bilhões, não quer liderar a reivindicação por mais verbas, mas acredita que os parlamentares farão este trabalho. “Vamos ouvir muito o Congresso e garantir a aprovação desses recursos”, disse Padilha. O Legislativo, por outro lado, também não quer assumir o ônus político às vésperas de um ano eleitoral, e optou por devolver a bola para o Planalto. “Não votamos novos impostos, pois é extremamente antipático”, disse à DINHEIRO o líder do PR, deputado Lincoln Portela (MG). Nesta semana, os partidos governistas terão reuniões internas para selar suas posições.
Também está previsto um encontro com os governadores dos Estados, os grandes defensores da criação da CSS. “Com um acordo articulado com os governadores, a possibilidade de aprovação será maior”, diz o deputado Paulo Teixeira (SP), líder do PT, o único partido que assume a disposição de liderar as discussões pelo novo imposto. Enquanto os atores políticos não se comprometem, crescem as especulações sobre as alternativas para aumentar os investimentos em Saúde. Na semana passada, cogitou-se até o uso dos recursos do petróleo da camada pré-sal. O governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, sugeriu até a legalização dos jogos de azar para custear a Saúde. Por sua vez, o economista Amir Khair acredita que a simples redução da taxa de juros em dois ou três pontos percentuais geraria uma economia superior a R$ 10 bilhões com o pagamento dos juros da dívida. O ex-ministro da Saúde, José Serra, também aproveitou o debate para opinar. Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, Serra disse que a saúde deve, sim, ter mais recursos, mas provenientes de receitas já existentes.
Fonte: Revista IstoÉ
Autores: Denize BACOCCINA, Hugo CILO e Guilherme QUEIROZ